A Revolta dos que Pensam

Pensar dói. Quando pensamos estamos nos exercitando. É por isto que logo após uma boa sessão de reflexão sentimos dores. Nossos hematomas ficam todos escondidos, mas estão lá. Nosso desgaste é igual ou maior do que qualquer atleta de alto impacto.

A palavra revolta é um substantivo feminino e seu significado denota insubmissão contra qualquer autoridade. Quero dizer que esse significado não é o proposto por este texto. Na verdade, desejo valer-me da derivação por metáfora que esta palavra me permiti usar. Segundo esta derivação, revolta seria perturbação, sentimento de raiva, de náusea que se expressa em atitudes, opiniões mais ou menos agressivas; indignação ou repulsa. Eu acredito que aqueles que resolvem pensar sentem-se desse jeito.

É uma pena que em nome de se adequar a um grupo organizado ou não, muitos tenham que cometer suicídio intelectual para se manter com tais pessoas. Como é comum mentes indagatórias serem colocadas de escanteio e rotuladas. Os rótulos são meios de estigmatizar e sufocá-las emocionalmente.

Sinto-me indignado e quero materializar aqui a minha revolta com todas as pessoas de dentro ou de fora da igreja de Cristo que afirmam que para abraçar a fé cristã é necessário anular-se como ser pensante. Essa declaração pode até, num primeiro momento, soar de forma razoável, mas ela é contrária a mensagem de Deus revelada na Bíblia.

Só os seres pensantes, criados a imagem e semelhança de Deus, podem receber e administrar o dom da fé. Deus só reparte esse santo presente com pessoas que têm condição de discerni-lo e reconhecer o seu valor inestimável. A Bíblia quando fala de fé, diz que ela é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem. (Hebreus 11.1) Ao invés de excluir a razão e o seu funcionamento, esse verso bíblico destaca a necessidade de sua presença.

Mas afinal de contas quem propôs que fé e razão se divorciassem e vivessem em casas separadas? Com certeza, a Bíblia nada tem haver com isto.

Muitas pessoas que hoje apregoam um viver espiritual que exclui a razão e a reflexão, já viveram imersos, ou pelo menos afirmam terem vivido, nesta prática num passado recente. O que houve com estas pessoas? Na maioria das vezes, elas declaram que o estudo exacerbado é nocivo a simplicidade da fé proposta por Cristo. Afirmam que o caminho de outrora trilhado por eles os levou a um profundo cansaço existencial e a um total desprezo pela vida de oração. Acrescentam ainda que eram hipócritas e viviam de impressionar as pessoas com um brilhantismo intelectual de fachada enquanto suas almas estavam ávidas pela água límpida da simplicidade da fé.

Estudar e, consequentemente, pensar faz tão mal assim? Estariam estes homens corretos em sua análise. Afinal de contas contra fatos não há argumentos. Será que é assim mesmo que devemos pensar? Minha resposta é: não. Acho que a presença de fatos também deve ser alvo de argumentos. A não ser que estejamos nos opondo à lei, imutável, da lógica, penso que tudo que se apresenta ou se afirme deve ser posto sobre a mesa e analisado acuradamente.

Todos os seres humanos podem possuir posturas pendulares. Assim como os opostos se atraem, também é verdade que os extremos se distanciam. Não poucas vezes encontramos pessoas com posturas extremadas. Gente que não conseguiu conviver com o desconforto de pensar e se relacionar com Deus de igual modo dizendo que ou se vive de um jeito ou de outro. Como se pudéssemos separar pensar de agir. Para essas pessoas, ou agimos sem pensar ou pensamos sem agir.

Não acredito que os ateus sejam os grandes adversários da igreja quanto a esse tema. Em minha opinião, foram os próprios crentes os grandes responsáveis por este marketing de que alguém de fé não se compromete com livros e análise extenuante de pressupostos teóricos acerca de algo.

Não sou racionalista nem desejo ser. Não acredito que todas as pessoas possuam o mesmo apetite literário e reflexivo para as questões da vida. Não vejo problema algum em pessoas que leem muito conviverem com outros que pouco ou quase nada se dedicam a arte de estudar laboriosamente. A minha crítica se dá pela postura que alguns adotaram de excluir uma coisa em detrimento da outra. Como se Deus exigisse que a opção de um caminho, seja ele de muito estudo ou não, tem o poder em si de me tornar fervoroso ou não em minha relação com Deus.

Paulo não tinha a habilidade de Pedro para jogar a rede de pescar ao mar, assim como Pedro não fora treinado para tornar-se um exímio conhecedor da religião judaica. Ambos foram gestados em matizes diferentes. No entanto, a dedicação intelectual e relacional de ambos com Deus era igual. Eles se dedicavam na expansão do reino de Deus com os dons que foram disponibilizados pelo Senhor para cada um deles.

Ser cristão é um misto de pensar com fazer. Não existe esta ideia, não cristã, de uma coisa sem a outra. Deus não pede que decidamos por qual caminho seguir. Ou seguimos por esta única estrada de pensar e viver ou iremos nos machucar e ferir outros com nosso estilo de vida.

Assumo a minha revolta com os que divulgam este cristianismo que não pensa. Que o Senhor nos livre de uma fé pragmática que afirma, sem dizer, que o caminho sobremodo excelente é o fazer para ser. Quando todos os leitores lúcidos das escrituras sagradas sabem que o que somos nada tem haver com o que fazemos, mas com o que Cristo fez por nós na cruz do calvário. Por isso, eu não sou por fazer, mas eu faço por ser.

2 pensamentos sobre “A Revolta dos que Pensam

  1. Excelente reflexão, Pr. Glalter.

    Lido com o debate fé e razão quase todos os dias na PUC e na UFRJ. Alunos e professores não sabem o que falam.

    Se a culpa é nossa, cabe a nós resgatarmos a verdade do Evangelho, apresentando-a “racionalmente através da fé”.

    Gde abraço.

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